outro dia ficou mais claro pra mim o que é criar uma fala em um encontro. eu tive a experiência do que acontece entre uma pessoa e outra.
geralmente conversamos com alguém partindo das nossas percepções sobre a pessoa e das nossas próprias crenças e fixações sobre nós mesmos, e sobre temas diversos que nos acompanham.
quando nos soltamos disso tudo, com a clareza de a verdade nunca se perde, podemos encontrar esse espaço entre nós, que conversa também com o mistério e toda a abertura que existe em cada um de nós. e nos surpreendemos com o que surge da fala e com a nossa transformação.
temos medo demais de nos vermos outros. queremos a todo custo saber quem somos. e talvez seja isso o mais difícil em todas as conversas e tentativas de criar qualquer coisa.
eu costumo derrubar as coisas com alguma freqüência. é tão comum que eu nem reparava. mas, este ano, depois de 8 anos morando juntos, meu marido começou a falar que toda hora que olha pra mim eu derrubo alguma coisa. e eu sei lá se é toda vez mesmo, mas agora sempre que eu derrubo algo ele me pede desculpas por ter olhado pra mim. eu fico achando graça, mas essa fala dele acaba provocando mais o meu aspecto desastrado e eu me vejo derrubando cada vez mais coisas.
eu queria ter conseguido contar essa história de um jeito mais legal. talvez, se ele aparecesse aqui e eu derrubasse o celular no meu rosto e apertasse várias teclas sem querer, desse pra quem lê achar tão engraçado quanto eu quando ele fala essas coisas.
seu corpo é um abraço acolhedor.
me consumi por toda vida
acreditando ter sido devorada
pela palavra não dita
mas meu coração nunca se calou
eu só não prestei atenção
mas agora escuto
e me lembro
você não ouviu só o meu silêncio
tudo o que eu tentei esconder
aparecia nas lágrimas que insistiam em cair na sua presença
nos ombros endurecidos como se carregassem o mundo
nos pés que não ousavam tocar o chão em nossos encontros
tudo o que tentei esconder
aparecia nos olhares desviados de desconhecidos
e em todas as pessoas com quem você se encontrou - e elas também nunca lhe disseram em palavras
até as pedras que cruzaram seu caminho diziam do que calei
o não-dito estava em cada texto, cada vírgula, cada espaço lido e escrito por você
você não ouviu só o meu silêncio
e se o ouvisse por completo
também escutaria
todos os sons do mundo
e entre eles estavam
meus dizeres mais profundos
cubro-te com este tecido vistoso
deixo que todos o vejam
podem tocá-lo quando o vento sopra e sua ponta esvoaçante se separa do corpo
podem admirar a beleza do tecido
e escreverão poemas sobre ele
e conhecerão suas cores e cheiro e textura
quadros serão pintados com sua inspiração
mas nunca serás vista
nunca nada além do tecido poderá tocar-te
nem mesmo eu, que seguro, insistente, o tecido em ti
no vídeo eu leio esta poesia:
Passa uma borboleta por diante de mim
E pela primeira vez no Universo eu reparo
Que as borboletas não têm cor nem movimento,
Assim como as flores não têm perfume nem cor.
A cor é que tem cor nas asas da borboleta,
No movimento da borboleta o movimento é que se move.
O perfume é que tem perfume no perfume da flor.
A borboleta é apenas borboleta
E a flor é apenas flor.
Alberto Caeiro
eu entendi agora porque eu não gosto de memes. porque eu não gosto da maioria das piadas que as pessoas fazem. porque muitas pessoas têm medo de olhar pra si mesmas e só conseguem rir da própria projeção nos outros. e eu não consigo. eu não acho engraçado alguém que sente algo desafiador e age confessando sua dor, seja com reclamação ou qualquer outra atitude.
mas uma coisa que as pessoas que fazem piadas com outras me ajudam a acessar é a raiva. uma emoção que quase nunca chega assim com tanta força, mas aparece quando eu vejo isso. quando eu vejo um monte de crianças apontando pra uma única e a acusando de qualquer coisa. e pretensos adultos.
quando isso acontece com as crianças, eu digo imediatamente para pararem. e depois eu escuto cada uma porque sei que todas estão com dores precisando ser acolhidas. quando eu vejo isso acontecer com adultos eu só posso olhar pra mim mesma e ver a minha própria falta de ética e o que essa raiva me convida a transformar.
e eu me recolho, agora, pra sentir e integrar isso aqui. mas não queria deixar de escrever.
alguns dias são mais difíceis no processo do luto. alguns dias a saudade aperta de um jeito doloroso e irremediável. eu evitei sentir nesses dois últimos dias, porque eu queria que fosse tudo mais leve, e eu tinha mesmo sentido uma leveza e me encontrado com a beleza da vida de novo, mas nesses dois últimos dias eu precisava sentir a dor. eu precisava chorar pelo que não é. precisava chorar porque eu não posso ouvir a voz dela, não posso abraçá-la, não posso conversar por mensagem. mas agora me lembro que eu posso sentir, chorar e abraçar essa solidão sem que isso me torne uma vítima ou alguem que precise ser salva. eu posso sentir sem precisar ter medo de que queiram me salvar. o único caminho para atravessar essa ponte é sentir. e aqui estou.