Segundo Dooyeweerd (2012a, p. 62), para os escolásticos, uma vez que a queda humana no pecado não corrompeu sua natureza, mas apenas a privou do dom sobrenatural da graça (donum superadditum), é possível para o intelecto humano conhecer e se aproximar de Deus pelas suas próprias forças.
Como consequência imediata desta concepção, Dooyeweerd (2013b, p. 29) menciona que não resta mais nenhuma possibilidade disponível para um acerca da verdadeira essência do homem, isto é, sua insight real acerca da verdadeira essência do homem, isto é, sua disposição religiosa central. O que resulta, por sua vez, em uma distinção entre duas esferas, a esfera natural ea esfera da graça, ou sobrenatural de pensamento e ação. Sendo que, a primeira é, ainda que subordinada, vista como uma espécie de preparação autônoma em relação à segunda. A graça e posta acima da natureza como um estágio superior de perfeição (DOOYEWEERD, 2012a, p. 62).
Kalsbeek (2015, p. 125) retrata que ao primeiro andar, o nivel da natureza, foi atribuído a vida natural, ou seja: o Estado; a familia; a academia; a tecnologia; a arte; os negócios; e o comércio. Francis Schaeffer (2002, p. 21), filósofo cristão americano do século XX, acrescenta que da parte inferior do dualismo, pode-se encontrar a criação; a terra e as coisas que dela pertencem; o material; e o visível. A razão poderia funcionar, assim, à parte da revelação divina, cabendo ao intelecto humano descobrir as verdades naturais por si mesmo (DOOYEWEERD, 2010, p. 96).
O andar superior, por sua vez, o nível da graça, não interfere no andar de baixo, mas o complementa e o aperfeiçoa (gratia naturam non tollit, sed perficit). Na esfera da graça, estão: a igreja; a revelação divina; a teologia; os sacramentos; e as coisas celestiais. Para Dooyeweerd (2013b, p. 30), a grande síntese que Tomás de Aquino almejou proporcionar, partindo de uma harmonia necessária entre a razão natural e as verdades sobrenaturais da igreja fez com que a primeira não pudesse contradizer a última. Dessa forma, até mesmo a filosofia, enquanto pertencente do andar de baixo, estava à serviço da teologia, enquanto locada no andar das verdades sobrenaturais, não existindo, portanto, uma filosofia cristã.
O filósofo de Amsterdã (2012a, p. 62), nesse sentido, ressalta que tal motivo-base da natureza e graça, devido ao seu caráter dialético intrínseco, produz, assim como o motivo grego da matéria-forma, uma típica tensão entre seus polos. Primordialmente, o pensamento cristão estava sendo conduzido em direção paga perigosa pelo motivo da natureza, e, posteriormente, foi conduzido em um sentido não menos perigoso de igualar a natureza com o sentido de pecado, buscado, desta feita, escapar da natureza por meio de uma experiência mística voltada para a graça sobrenatural.
A consequência dessa tensão polar foi obtida a partir do século XIV com o escolasticismo tardio de orientação nominalista representado por Guilherme de Ockham. Tal movimento passa a negar qualquer conexão entre o conhecimento natural e o sobrenatural, proporcionando, assim, dois caminhos bem distintos entre natureza e graça, negando para o intelecto humano a capacidade de conhecer o segundo andar, e, logo, rejeitando certos termos da esfera da graça.
Para Dooyeweerd (2013b, p. 30), esse foi o começo de uma secularização definitiva dada a primazia do motivo da natureza. Segundo Schaeffer (2002, p. 25), o princípio vital a ser notado é que ao passar do tempo, a natureza é vista, cada vez mais, de forma autônoma e independente, representando, na prática, que a natureza passa a tragar a graça, abrindo as portas para o humanismo secular modemo."
(Filosofia e Teologia Reformada: Perspectivas Cristãs à luz do Pensamento e Vida de Herman Dooyeweerd - Leonardo Balena Queiroz. São Paulo. 2020. fonte Editorial).
Login to reply